segunda-feira, 1 de julho de 2013

Antes de partir para uma barricada, é necessário uma ideia na cabeça!

Augustin Souchy Bauer (1892-1984) foi um militante anarquista alemão. Viveu na Suécia, Espanha, França, México, Cuba, entre outros lugares, desenvolvendo uma intensa militância anarquista em todos os países em que residiu, chegando a trabalhar com anarquistas como Rudolf RockerPiotr Kropotkin e Buenaventura Durruti
Iniciou sua militância atuando na União Socialista Libertária de Berlim (impulsionada por Gustav Landauer), em 1912, mesma data em que inicia sua colaboração na imprensa libertária.
Em 1914, durante a primeira guerra mundial, se refugia na Suécia, onde também é perseguido. Em Estocolmo, entre outros militantes socialistas, conhece Vladimir Ilitch Lenin.
Em 1917, no desenrolar da revolução russa, publica um folheto intitulado “A Ditadura & O Socialismo”, onde rechaça a idéia da ditadura como instrumento da revolução social. Em 1919, retorna para Berlim, onde torna-se um dos editores do periódico libertário Der Syndicalist (entre 1922-1933).
 Em 1921, viaja para a Rússia, como membro da União Livre dos Trabalhadores da Alemanha (F.A.U.D.), assiste (enquanto observador) a fundação da Internacional Sindical Vermelha (Profintern), onde conhece dirigentes bolchevistas como Karl Berngardovitch RadekGrigori Yevséievich ZinóvievAnatoli Vasilevitch LunatcharskiNikolái Ivánovich Bujarin, entre outros, que mais tarde serão assassinados por ordem de Iósif Vissariónovich Stalin. Nessa mesma viajem conhece Piotr Kropotkin, com o qual pode conviver durante alguns dias.
 Entre 1920/1921, participou da reorganização da Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T.), na qual atuou intensivamente até o advento do nazismo, quando se viu obrigado a refugiar-se na França em 1935.
 Em 1936, ao ter notícias sobre a guerra civil espanhola, Augustin Souchy, então com mais de 40 anos, foi voluntariamente lutar na Espanha. Participou da Confederação Nacional do Trabalho (C.N.T.), atuou nas frentes de batalha até ser ferido gravemente. Passou para a retaguarda, onde dirigiu o Serviço Internacional de Informação e Propaganda sobre o avanço do povo espanhol contra o totalitarismo fascista. Nesse período, publicou um dos seus livros mais conhecidos “A Semana Trágica em Maio” (ainda não lançado no Brasil), um dos poucos relatos de primeira mão, sobre as jornadas de Maio de 1937, na Espanha.
 Após a implantação da ditadura franquista na Espanha, Souchy passa para um campo de refugiados na França, até que em 1942, se refugia no México.
 Em 1948, se desloca para Cuba com a finalidade de participar ativamente no projeto anarquista naquele país. Em 1950, viajou para Israel, onde estudou os Kibbutzim (coletividades comunitárias) como experiência coletivizadora.
 No fim da década de 1950, realizou uma seqüência de conferências pela América do Sul com o intuito de alavancar o sindicalismo, chegando à passar pelo Brasil (Novembro de 1959), em evento organizado pelo Centro de Estudos Professor José Oiticica (C.E.P.J.O.), no Rio de Janeiro.
 Em 1962, a Editora anarquista Germinal (Rio de Janeiro), publicou o livro “O Novo Israel” de Augustin Souchy no Brasil. Em 1963, a Organização Internacional do Trabalho contratou-o como perito em educação.
 O militante português Roberto das Neves (que viveu no Brasil e foi fundador da Editora Germinal), conheceu Souchy, ainda durante a época da revolução espanhola, e sobre ele escreveu o seguinte: “Augustin Souchy (...) trocando com facilidade a pena pelo fuzil e vice-versa, segundo as exigências da (...) liberdade (...)”.
 Apesar de sua intensa militância anarquista em várias partes do mundo, e de seu extenso trabalho como periodista e escritor, pouco se conhece do seu pensamento e de sua obra no Brasil. Resolvemos divulgar o texto abaixo, pois o mesmo faz uma interessante análise do socialismo e da política internacional no período pós-segunda guerra mundial e entendemos que boa parte da reflexão de Augustin Souchy ainda tem muito a contribuir conosco nos dias atuais, inclusive, com as últimas manifestações que tem ocorrido no Brasil.


Que podemos esperar do movimento social ?

No movimento social existem, desde sua origem, duas tendências: uma acena aos trabalhadores a fim de que realizem sua emancipação através da sua intervenção e da sua ação direta coletiva; a outra pede ao povo seus votos em favor dos candidatos socialistas para que estes transformem, por vias parlamentares e legislativas, a sociedade capitalista em uma sociedade socialista. Também existe uma terceira tendência que aceita tanto a tática reformista como a revolucionária, segundo as circunstâncias. À primeira tendência pertencem os libertários e os anarco-sindicalistas; à segunda e terceira os marxistas de todas as escolas. A social-democracia alemã e os social-democratas de todos os países representam a ala moderada, os bolchevistas e os comunistas a ala radical do marxismo.
Depois da primeira guerra mundial, os socialistas tiveram a oportunidade de realizar as suas idéias. Os bolchevistas russos e os social-democratas alemães galgaram o poder em virtude de revoluções populares. Os ideais socialistas se condensaram em fórmulas concretas e as teorias começaram a se pôr em prática. Os governantes social-democratas e os comunistas elaboraram novas constituições e leis. Os comunistas russos pretenderam realizar uma obra completamente inovadora, estabelecendo a propriedade estatal da terra e dos meios de produção, no lugar da propriedade privada. Os social-democratas alemães limitaram-se a promulgar uma constituição democrática e a fixar garantias legais para o direito de organização e de greve, ampliando a legislação social em vigor. Nos anos posteriores, os partidos operários chegaram ao poder em alguns outros países, por meio de vitórias eleitorais. Em nenhum deles, porém, se atreveram a transformar o sistema capitalista em um sistema socialista. Limitaram-se a elaborar leis destinadas a promover o progresso social dentro da sociedade capitalista. O partido trabalhista da Grã-Bretanha tomou um caminho “sui generis”, criando uma legislação de seguro social que compreende a nação inteira e adotando, ao mesmo tempo, uma decisão parlamentar em virtude da qual o Estado adquiriu as grandes propriedades privadas, como o Banco da Inglaterra, as minas, as estradas de ferro e outras importantes indústrias, substituindo assim, em grande parte o capitalismo privado pelo capitalismo estatal.
Estas medidas tiveram como conseqüência uma certa alteração estrutural do Estado e da economia. O Estado liberal do século passado deixou de existir. Seu sucedâneo moderno é como se fosse um empresário econômico e comercial, assim como que uma organização de seguro social. A legislação social também foi adotada no clássico país do capitalismo privado, nos Estados Unidos, onde, sob a presidência de Roosevelt se legislou sobre indenizações estatais aos trabalhadores em casos de doenças, velhice e desocupação. É assim como certas reivindicações socialistas do século passado foram realizadas dentro do regime do capitalismo privado. As injustiças mais flagrantes foram atenuadas, o que tinha que dar como resultado que o descontentamento de certas camadas sociais também viesse a diminuir. Entre os defensores do capitalismo há elementos inteligentes que sabem dirigir o barco social com a habilidade de um piloto experimentado que sabe evitar os escolhos e as rochas perigosas e conduzi-lo para as águas tranqüilas da evolução pacífica. Graças a essa habilidade de manobra conseguiram manter o sistema do capitalismo privado, cujos alicerces ainda não estão profundamente abalados, não obstante as guerras e revoluções até hoje ocorridas.
Esse estado de coisas tinha que produzir forçosamente certas repercussões na mentalidade dos povos, criando determinadas disposições psicológicas na classe trabalhadora. O evangelho socialista perdeu grande parte do seu poder de sugestão. A situação político-social existente nos países orientais da Europa, com as chamadas “democracias populares” e o seu capitalismo estatal que oprime e explora as massas mais que o capitalismo privado, muito contribuiu para desacreditar a ideologia socialista em geral.
O sistema do capitalismo estatal criou uma ideologia totalitária que não permite qualquer oposição. Os sistemas de opressão e repressão são de uma brutalidade quase sem precedentes. Além disso, deu lugar a uma categoria de elites estatais, tal como na antiga Esparta. O abismo psicológico entre o Oriente e o Ocidente se alarga cada vez mais. A juventude da União Soviética não sabe o que é a liberdade; e as novas gerações dos países “democráticos populares” também não têm a oportunidade de se formar uma concepção da liberdade individual, educadas, como são, num espírito de submissão ao Estado nacionalista. A liberdade presenteada não pode ter valor, nem consistência e só as liberdades conquistadas pelo esforço consciente e voluntário realizam a dignidade do indivíduo.
Nos países ocidentais, onde o Estado apenas controla uma parte da economia, a mentalidade popular ainda não está inteiramente fundida no molde estatal, ainda há, felizmente, certa independência de critério. Os trabalhadores aceitam as vantagens do seguro social, porém, geralmente não se sentem submetidos perante o Estado patrão. Não vacilam em se declarar em greve contra o mesmo, quando os seus interesses de produtores assim o exigem, coisa inimaginável nos países totalitários, tanto por razões de força estatal, como pelos resultados de uma escravidão voluntária, conseqüência, por sua vez, de uma educação toda especial. Nos últimos tempos, os funcionários estatais em França, declararam freqüentes greves, assim como também os estivadores de Londres, não obstante a hostilidade do governo laborista contra essa medida. Nos Estados Unidos, a luta dos trabalhadores das vigas de aço, conduzida com o fim de conquistar pensão para a velhice, é um fato também sintomático. A pensão para a velhice constitui uma parte do programa do socialismo reformista. Não obstante, o movimento sindical é, na sua maioria, contrário a toda a idéia de estabelecer um regime socialista, limitando-se a lutar para obter melhores condições de vida dentro do capitalismo. Todas essas lutas demonstram que os trabalhadores dos países ocidentais têm mais possibilidades de adquirir vantagens sociais que os seus irmãos de classe nos países das chamadas democracias populares do leste europeu.   
As conclusões que desses fatos se derivam, são claras: a transformação da propriedade privada em propriedade estatal não elimina a exploração capitalista; o capitalismo estatal não proporciona aos trabalhadores melhores condições de vida, em comparação com o capitalismo privado. O antagonismo de classes, a existência de exploradores e explorados, é manifesta sob ambos regimes. O capitalismo estatal não fornece aos trabalhadores melhorias econômicas e ainda os priva de uma relativa liberdade de ação. Isto é uma prova flagrante de que a liberdade e o bem-estar formam um conjunto indivisível: uma não pode existir sem o outro.
Como conseqüência das más condições econômicas e da opressão política reinante nas “democracias populares”, observa-se certo pessimismo nos ambientes do movimento social proletário. As últimas eleições parlamentares na Áustria, Alemanha e Noruega foram terríveis derrotas para os comunistas. Os social-democratas conseguiram manter sua posição devido ao seu programa simplesmente reformista, que oferece vantagens inclusive à classe burguesa. Esse setor político já não vê no capitalismo o seu inimigo mortal e não sente o menor desejo de propagar uma verdadeira transformação da sociedade. Depois da segunda guerra mundial não houve revoluções surgidas dos povos. Todas as transformações efetuaram-se pelas autoridades, de cima para baixo. E essas alterações não afetam o regime capitalista no seu fundo social. A exploração capitalista trocou de formas, porém, continua mantendo a sua essência. O capitalismo aproximou-se do socialismo estatal e este absorveu os princípios do capitalismo. Ambos se entendem muito bem.
Não obstante, o socialismo livre continua conservando o seu valor revolucionário e transformador. O certo é que já não se pode conceber o socialismo como um sistema cerrado e perfeito, capaz de converter o inferno capitalista em um estado de coisas paradisíaco. O socialismo estatal é a corrupção das idéias socialistas. Nada se perderá quando as instituições opressoras se eliminam e quando o bem-estar geral aumenta sem o estabelecimento do socialismo estatal.
O processo emancipador da humanidade não se cumprirá com a criação de novas instituições estatais, e sim muito melhor, mediante a desconfiança nas autoridades estatais e nos dirigentes políticos profissionais. O socialismo libertário oferece fórmulas de solução singelas e concretas: controle direto e permanente da economia pelos produtores e consumidores; estrita e ininterrupta vigilância da vida publica por todos os cidadãos; iniciativa do povo em vez da intervenção dos governos.
A liberdade e o socialismo não são realidades que possam surgir de decisões governamentais. Devem ser conquistadas e vividas. Só florescerão e se desenvolverão se soubermos defendê-las diariamente, na criação e na luta.

Por Agustin Souchy,


A Plebe (São Paulo), 1 de dezembro de 1950, número 29, página 3.

Um comentário:

  1. O texto me faz refletir uma conversa que tive com um grande amigo Edvado a questão das manifestações e apesar de reconhecer sua importância fico na duvida qual ganho esses movimentos tem de concreto para a questão da transformação social se não avançar na direção de outras formas mais horizontais de organização? não sera um espetáculo que ira mudar a ordem das coisas, afinal no dia seguinte a propriedade privada e tudo ao que a ela esta relacionado se matem da mesma forma. se manifestar é super importante porem precisamos ir alem e nos organizar de forma não reproduzia aquilo que tantos criticamos, do contrario só mudam os donos do poder, só mudam as moscas porque todo o mais continuara igual.

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