terça-feira, 1 de setembro de 2015

Com a palavra, Gigi Damiani

O pintor de cenários Gigi Damiani (1876-1953), de origem italiana, iniciou sua militância anarquista ainda no seu país de origem.
Chegou ao Brasil entre 1889/1890, juntamente com Giovanni Rossi (1856-1943) e outros imigrantes para fundar a Colônia Cecília (um projeto experimental de convivência comunitária, orientado pelos princípios do socialismo libertário, que tinha como objetivo comprovar a praticabilidade do anarquismo), no município de Palmeira, estado do Paraná. A Colônia Cecília existiu entre 1890-1894.
Após a sua passagem pela Colônia Cecília, Gigi Damiani tornou-se diretor do jornal Il Lavotero (Paraná, 1893) e colaborou com o jornal paulista Il Risveglio, periódico que tinha como subtítulo: “Organo Del Partito Anarchico”. O que obviamente não se tratava de um partido eleitoral ou parlamentar, e sim de um grupo de ação organizada, dentro da visão de atuação anarquista segundo militantes clássicos como Mikhail Bakunin e Errico Malatesta.
Damiani ainda contribuiu com as seguintes publicações: O Despertar (Curitiba, 1904) e La Battaglia (São Paulo, 1904, do qual chegou a ser diretor em 1912). Em 1908, mudou-se para São Paulo e integrou o grupo redator do jornal A Terra Livre. Após o final do jornal La Barricata (1913), Gigi Damiani colaborou com o jornal anarquista A Plebe (São Paulo, 1917), que chegou a ser diário. Participou do Comitê de Defesa Proletária da Greve Geral de 1917, na cidade de São Paulo, e pelo seu envolvimento com as causas operárias acabou sendo preso e expulso do Brasil em 1919. De volta à Itália, continuou a sua militância, ao lado de anarquistas como Errico Malatesta e Luigi Fabbri, até os seus últimos dias publicando os jornais Fede, Guerra Sociale e Umanitá Nova (semanário que existe até os dias de hoje), do qual chegou a ser diretor.
Nesse texto que agora resgatamos, Gigi Damiani escreve com a maturidade de seus 70 anos de idade, e com a experiência de mais de cinquenta anos dedicados à militância anarquista. Fala sobre a sua visão de anarquismo, completamente abrangente e contrária a qualquer sectarismo, que muito vai ao encontro do anarquismo difundido pelo Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri (NELCA).
Esperamos que gostem do texto e qualquer dúvida ou crítica, por gentileza, entrem em contato conosco, ok?



“Anarquistas & Anarquismo”

O ponto de vista comum em torno do qual todos os anarquistas estão de acordo, porque reagrupa todas as tendências do anarquismo, por mais variadas que sejam, é aquele que conduz à mesma meta e que se caracteriza no fato de se manter o movimento anárquico com uma feição que o distingue de todos os outros movimentos político-sociais: a concepção de um futuro para a humanidade que exclua todo princípio de autoridade, de domínio e de exploração do homem pelo homem.

O anarquismo pode ter tendência individualista, comunista e genericamente socialista; cristão primitivista; referir-se ao marxismo da primeira hora; ser ativista, revolucionário, educacionista; pode aceitar ou repelir o fator violência, especializar-se no maltusianismo ou no vegetarianismo; mas no seu complexo tende a uma única finalidade: a independência moral e física do indivíduo, reforçada e não diminuída pela prática da solidariedade entre todos os seres humanos, próximos ou distantes.

O anarquismo pode ser filosofia e ciência político-econômica, sem cair no dogmatismo; simples especulação idealista ou fundamentalmente prático em suas atitudes fora de qualquer ação impositiva; pode apegar-se ao materialismo histórico ou apelar para as forças morais e considerar o sentimento como fator mais eficaz para libertar o homem da incompreensão em que se debate; pode dizer-se ateu, agnóstico ou divagar em hipóteses espiritualistas; mas conserva a sua idoneidade quanto a necessidade de combater todo e qualquer princípio de idolatria estatal, conformista e de monopólio econômico. É antiautoritário e antitotalitário em todas as circunstâncias.

A perene vitalidade do anarquismo e a sua constante atualidade, critica e impulsionadora, deriva justamente das suas múltiplas manifestações sempre atuais nos diversos meios ambientes em que a sua propaganda se desenvolve.

O anarquismo propõe, não impõe; e na variedade das suas exteriorizações do pensamento, de critica e de ação canaliza todas as diversas, mas não inimigas, modalidades para o mesmo fim; aquele em que a anarquia se divisa fundindo todas as liberdades em um cadinho único, no fundo do qual se queimam todos os prejuízos da velha estrutura econômica e social que não pode reger-se sem a prática da exploração do homem pelo homem e que assenta os seus pilares na escravidão e na ignorância.


# Por Gigi Damiani, publicado no periódico anarquista A Plebe (São Paulo) em 15 de Dezembro de 1947, Número 11, Ano 31 (Nova Fase). Posteriormente incluído no livro "Anarquismo Roteiro De Libertação Social" de Edgard Leuenroth, Editora Mundo Livre (Rio de Janeiro), Agosto de 1963, primeira edição. Segunda edição pela Editora Achiamé em colaboração com o Centro de Cultura Social de São Paulo, em 2007.